Segundo a teoria do
desenvolvimento cognitivo de Jean Piaget, a criança sofre, até à adolescência,
mudanças qualitativas no seu pensamento. Estas ocorrem devido à interação de dois
fatores: genéticos, sendo os padrões sequenciais de mudança; e ambientais,
entendendo-se estes por experiências que impulsionam o desenvolvimento. Esta
interação é fundamental para o entendimento de que cada ser é único (sui generis).
O sujeito é ativo neste crescimento,
estando bastante presente o elemento curiosidade, que vai permitir à criança
explorar, examinar e manipular o mundo que a rodeia.
O desenvolvimento cognitivo é
específico e normalmente previsível, apresentando períodos críticos, tempo em
que a criança necessita de um certo estímulo para que haja um desenvolvimento
normal. O ultrapassar destes períodos, origina estruturas intelectuais
progressivamente mais complexas, aumentando a capacidade de compreensão dos
fenómenos do mundo físico e social e de adaptação ao meio envolvente.
Piaget conclui que o desenvolvimento
da inteligência ocorre por etapas progressivas que exigem processos de
adaptação ao meio. Cada novo estádio representa uma forma de equilíbrio cada
vez maior, sendo este operado por dois mecanismos fundamentais: a assimilação,
que compreende a incorporação dos objetos aos esquemas que a criança já possui;
e a acomodação, que corresponde à transformação desses esquemas para uma melhor
adaptação. Estes dois mecanismos possibilitam a construção de novos esquemas,
denominando-se, num primeiro momento, esquemas de ação, evoluindo, após a
interiorização, para esquemas operatórios.
Uma das conclusões mais importantes
a que se chega, após um estudo exaustivo deste período do ciclo de vida do
indivíduo, passa pelo facto de se concluir que a infância é fundamental para
que, na vida adulta, o indivíduo possua as capacidades básicas intelectuais e
de raciocínio, já que é nesta fase que inúmeras competências e qualidades da
personalidade são desenvolvidas.
São quatro os estádios de
desenvolvimento intelectual de Piaget: sensório-motor, pré-operatório, das
operações concretas e das operações formais. Estádios estes de reorganização,
emergência de estratégias e desenvolvimento de competências inteiramente novas,
envolvendo uma alteração descontínua na estrutura subjacente.
Veremos agora o estádio
pré-operatório, dos dois aos sete anos, caracterizado pelo início das operações
mentais e o aparecimento da função simbólica,
assinalando, assim, o início do pensamento.
A criança apresenta um pensamento
centrado na imaginação e relaciona como causa-efeito dois acontecimentos sem
qualquer relação (temos o exemplo comum da relação que
estabelecem entre a tristeza e a chuva). O egocentrismo, a noção de
irreversibilidade, a ausência de conservação, a perceção das formas e das cores
e a falta de perspetiva são também características deste estádio, bem como a
noção reduzida do futuro a longo prazo.
Nesta fase, a criança começam a
conseguir explicar a doença (o que acontece e porque acontece), sabendo que a
cura advém dos xaropes e a prevenção virá da
eliminação dos micróbios que existem nas mãos, lavando-as
antes de comer e ao longo do dia.
Neste estádio, sobressaem dois
fenómenos:
• Função
simbólica, sendo esta entendida como a capacidade de criar e lidar
mentalmente com símbolos que substituem os objetos.
Apesar
da capacidade que possui de comunicar (aquisição da linguagem), devido ao seu
egocentrismo, o diálogo é quase inexistente.
Através
do jogo simbólico, a criança torna-se capaz de transformar a realidade, com o
objetivo de satisfazer os seus desejos (manipulando,
por exemplo, objetos de escrita como se de veículos se tratassem).
A
criança passa a possuir na sua imagem mental pré-conceitos, apesar de ainda não ser capaz de generalizar (não
distingue “todos” de “alguns”).
• Inteligência representativa: corresponde a fase
em que a criança atribui sentimentos e intenções a objetos inanimados
(animismo, antropomorfismo).
O
finalismo é a fase dos “porquês”, uma vez que a
criança sente a necessidade de perceber como funciona o mundo, tendo noção de
que tudo tem um propósito de existência.
Ocorre
também a produção de inferências baseadas em certos conhecimentos que a criança
possui e que generaliza (raciocínio analógico).
No
raciocínio intuitivo a criança avalia a quantidade pela perceção do espaço
ocupado, sem se deter na análise das relações entre os objetos. O seu
pensamento está submetido às informações percetivas e
intuitivamente captadas.
Neste período a criança desenvolve o
pensamento, e é
capaz de proceder ao planeamento mental antes de executar a ação. A função representativa reveste-se de grande importância.
Um objeto representa o outro, e com isto a imaginação da criança sofre um
grande impulso (ex.: uma simples caixa de sapatos pode ora se tornar um carro,
ora um potente cavalo que viu na televisão). Inicia-se e atinge pleno
desenvolvimento o chamado jogo simbólico ou “faz de conta”. Neste tipo de
atividade, a criança dá significados pessoais a objetos e a brincadeiras que
realiza. Observa o que acontece à sua volta, em sua casa, na rua, e reproduz
posteriormente nas suas brincadeiras, apresentando, inclusive, sentimentos e
emoções frente ao facto. (por exemplo: a criança brinca com a boneca,
vestindo-a, dando de comer ou até dando-lhe umas palmadinhas.) É interessante
observar como ela brinca, pois as suas emoções, sentimentos e compreensão da
realidade são expressos neste momento.
Na brincadeira do “faz de conta”, a
criança modifica a realidade em função dos seus desejos; lembra-se de experiências do passado e
explorar o que imagina que vai acontecer depois. O pensamento, no estádio
pré-operacional, tem algumas características básicas, que serão enumeradas a
seguir:
• Pensamento transdutivo (dos
2 aos 4 anos): É
centrado na imaginação, onde
criança liga dois factos que não mantêm relação entre si (a não ser temporal ou
espacial) - causalidade mágica fenomenológica. “Porque Deus fez com que isto
seja assim, inventou a doença.” (Influencia a explicação do que pode causar uma
doença).
Já a cura da doença é
mágica e imediata “O algodão com a água oxigenada faz parar o sangue.”
(Influencia a explicação de como se pode tratar de uma doença).
O
raciocínio transdutivo está ligado ao egocentrismo, onde a criança sente que os
factos da natureza estão ligados, ou são influenciados, por sua vontade.
•
Egocentrismo: O
seu ponto de vista é o único possível, porque não tem a noção que as outras
pessoas podem ter outras perspectivas “Eu pensei mal do meu irmão. O meu irmão
ficou doente. Logo, eu fiz o meu irmão ficar doente.” (Comportamentos do
próprio como causa dos acontecimentos).
O
egocentrismo estende-se aos objectos e outros seres vivos, aos quais a criança
atribui intenções, pensamentos, emoções e comportamentos próprios do ser humano
– animismo.
•
Pensamento Intuitivo (dos 4 aos 7 anos): É centrado nas perceções dos dados sensoriais. Em que a criança
responde em raciocínios circulares - Justificações Tautológicas - “Estou doente
porque tenho que ficar na cama, estou na cama porque estou doente – Porque
espirraste? – Porque estava doente. – Porque estavas doente?- Porque espirrei.”
(Influencia a explicação do que pode causar uma doença).
A
doença é atribuída a qualquer fenómeno concreto e externo (condições
atmosféricas ou a pessoas) que coincida com o início do sintoma, num intervalo
temporal ou espacial próximo ou devido à negligência da criança.
A criança vê a dor como
uma causa única, visível - Fenomenismo (Influencia a vivência da dor); Como um
fenómeno puramente físico e aversivo. A criança verbaliza medo, dor e
desconforto. Deturpação da experiencia dolorosa, criando expectativas muito
exageradas do perigo e do sofrimento associados ao procedimento.
Estar
doente é algo concreto e pontual, sendo que a criança aceita mais facilmente
métodos concretos e que tenham um efeito (aparente) de alívio imediato da dor
(Fenomenismo).
• Centração: a criança, para dar
resposta a um problema, considera só um aspecto de cada vez.
• Irreversibilidade do
pensamento: a
criança não consegue reverter às operações que realizou ao início para
comprovar o seu raciocínio.
• Animismo: a criança atribui
sentimentos humanos a objetos à sua volta.
Ao observar a chuva,
comenta: "está a chover, porque as nuvens estão tristes". Portanto, o
seu pensamento não tem um caráter lógico e são baseados em vivências pessoais,
desejos e temores, adquirindo características muito peculiares.
Há um grande
desenvolvimento da fala, as palavras organizam-se em frases e a linguagem
passa, juntamente com a ação, a ser uma possibilidade da criança expressar as suas
ideias e emoções.
•
Pensamento
mágico: a
realidade é aquilo que a criança sonha e deseja, e dá explicações com base na
sua imaginação, sem ter em consideração questões de lógica.
Interessa-se
essencialmente por resultados práticos.
A
sua perceção imediata é encarada como verdade absoluta, sem perceber que podem
existir outros pontos de vista. Privilegia as suas perceções subjetivas,
desprezando as relações objetivas. Não percebe a diferença entre mudanças reais
e aparentes e, portanto, responde com base na aparência, acreditando que é o
real. (Ex.: são apresentados à criança dois corpos iguais com a mesma
quantidade de água. À sua frente, verte-se a água de um copo deles para um
copo, alto e fino. A criança afirma que agora este copo alto e fino tem mais
água que o outro. Não compreende que a quantidade de água permanece a mesma,
independentemente do recipiente em que é colocada. Ou seja, responde com base
na aparência. Como o segundo copo parece maior, porque é mais alto, a criança
pensa que tem mais água).
•
Pensamento
pré-operatório - a criança não consegue efetuar operações mentais. No exemplo
acima, não percebeu que, durante a passagem da água do primeiro copo de água para o segundo (alto e fino), houve algo que não mudou:
a quantidade de água permaneceu sempre a mesma. Também não tem consciência de
que as transformações na aparência da água são reversíveis (pode logo a seguir
deitar a água do copo alto e fino para o copo mais baixo).